quarta-feira, 23 de junho de 2010

Palavras do Professor Arq. Domingos Bongestabs


Este texto que postei pela primeira vez, é de um grande arquiteto paranaense que projetou obras como, Ópera de Arame (foto) e Universidade Livre do Meio Ambiente em Curitiba. Estou falando de Domingos Bongestabs. Arquiteto e professor que tive a oportunidade de conhecer durante a faculdade. No texto abaixo coloco parte de um discurso que ele fez durante a colação de grau da turma CAU-FAG 2008.

O
arquiteto se constrói como um pássaro que aprende a voar dispondo apenas de seus próprios meios, que por instinto e coragem tenta o primeiro salto do ninho seguro, coordena o bater das asas, navega nas correntezas do vento e pousa de volta no ponto de partida, mesmo com o risco do insucesso e à exposição indefesa aos predadores.
O verdadeiro arquiteto, como os pássaros, deve aprender a bater suas asas e elevar-se do chão e ao dominar o vento, alcançar as alturas. Entretanto, como as aves, com o auxilio da gravidade, deve voltar ao chão. Asas, vento e gravidade são os recursos com que contam os pássaros e arquitetos para agir no mundo.
As asas fornecem ao artista os meios com que a criatividade e o talento se expressam para voar além da realidade do chão e do ninho seguro. A força que move as asas da criação é formada pela imaginação, pela fantasia e pelo sonho, asas que a cada novo projeto deve lançar-se no espaço com coragem para negar o banal e o lugar comum e cada vez, de novo, correr o risco como um pássaro em seu primeiro vôo.
Mas as asas podem ser inúteis se servirem aos pássaros (e aos arquitetos) apenas para vôos curtos. Os arquitetos que pretenderem voar como as águias e os condores, e vocês deverão pretender, precisam também aprender a navegar no vento,se desejam planar acima das nuvens. As correntes de vento apóiam as asas estendidas, sustentam o vôo e dirigem o pássaro a seu destino. Navegar no vento exige da ave sensibilidade à temperatura, velocidade, direção e elevação das correntes de ar. Exige domínio e discernimento do meio aéreo em que voa.
Para o arquiteto, o vento que impulsiona as asas para o alto e destino, é a sua sensibilidade para os espaços de sua vida e de seu trabalho. Sensibilidade para as necessidades, anseios, fantasias e sonhos das pessoas e das comunidades que vão usufruir de suas obras; sensibilidade para a paisagem que vai ajudar a compor com sua arquitetura; sensibilidade para a necessidade da preservação e a integridade do meio natural ou construído de valor estético ou cultural; sensibilidade para minimizar o impacto de sua obra sobre os recursos ambientais e energéticos disponíveis e para atender a necessidade crescente de sustentabilidade das suas intervenções no meio; sensibilidade para a o exemplo e o trabalho dos bons arquitetos; sensibilidade para o progresso da tecnologia que pode tornar a arquitetura e as intervenções urbanas mais frutificantes e finalmente, sensibilidade para o expressivo e o belo, para a beleza e para a arte.
Criatividade e sensibilidade geram as idéias que são a semente da arquitetura, mas ainda não é arquitetura, como a semente ainda não é árvore. O arquiteto, como os pássaros, deve também voltar ao solo e pousar. As aves voltam ao solo para obter alimentos, cuidar do ninho, descansar, defender-se e procriar,enfim, tratar das coisas reais das quais depende a sua vida. Para alçar vôo depende de suas asas, para manter-se no ar precisa do vento e para pousar ou arremessar contra suas presas usa a força da gravidade. Também como os pássaros, os arquitetos devem pousar se pretendem transformar em realidade a idéia gerada por sua imaginação e modulada por sua sensibilidade.
Precisa torná-la projeto e construção, porque arquitetura é arte construída. Uma idéia, por melhor que seja se permanecer apenas na mente do arquiteto é uma idéia morta para o mundo. Se a idéia permanecer apenas impressa no papel sem concretizar-se como obra, só produz frustração e papéis riscados, condenados ao esquecimento no fundo de uma gaveta. Para tornar realidade a obra de arquitetura que imagina, o arquiteto deve, como os pássaros que voltam para o solo, usar a gravidade.
Gravidade é para o artista o conhecimento que torna possível fazer do abstrato linguagem e da linguagem construção. Conhecimento, sempre crítico, sobre teorias, tendências e movimentos da arquitetura atual e através da história; conhecimento sobre o meio cultural onde viceja o seu trabalho, com sua organização social, linguagem, tradições, usos e costumes,política e economia; conhecimento de tecnologias da construção atualizadas, materiais e normas legais e éticas, bem como o conhecimento e domínio técnico dos meios de expressão da arquitetura, com os quais se comunica com os seus pares e com o mundo a seu redor.
Para pousar seguro, um arquiteto de verdade, capaz de criar obras dignas e belas, também deve desenvolver a disciplina de um processo de trabalho - a ferramenta prática que permite a ele fundir criatividade, sensibilidade e conhecimento em arquitetura - se ao projetar, pretende alcançar a mesma maestria com que águias e condores batem suas asas para alçar vôo, planam no vento e pousam para construindo construir sua vida.

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